O Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT-7) reafirmou a necessidade de coibir fraudes na concessão de bolsas de qualificação profissional ao julgar o Recurso Ordinário Trabalhista nº 0000894-94.2022.5.07.0030. A decisão reconheceu que o suposto programa de qualificação profissional utilizado pelo Instituto Nacional de Gestão, Educação, Tecnologia e Inovação (INGETI) para intermediar contratações no Município de Caucaia/CE mascarava uma verdadeira relação de emprego, lesando trabalhadores que prestavam serviços contínuos e subordinados à administração pública.
Bolsista ou Trabalhador? O uso fraudulento da bolsa de qualificação
No caso concreto, a reclamante havia sido formalmente contratada como bolsista, mas suas atividades diárias envolviam a prestação de serviços de cuidadora na rede municipal de ensino, com jornada fixa e subordinação direta. O TRT-7 concluiu que o INGETI funcionava como uma mera intermediadora de mão de obra, permitindo que o município burlasse a exigência de concurso público para contratação de servidores e, ao mesmo tempo, sonegasse direitos trabalhistas fundamentais.
De acordo com o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a caracterização do vínculo empregatício exige os seguintes elementos:
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Pessoalidade – O trabalhador presta o serviço de forma pessoal, sem possibilidade de substituição.
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Não eventualidade – O serviço é contínuo, não ocasional.
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Onerosidade – O trabalho é remunerado.
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Subordinação – O empregado está sujeito às ordens diretas do empregador.
O acórdão destacou que a reclamante cumpria uma jornada de 8 horas diárias, de segunda a sexta-feira, exercendo suas funções sob controle hierárquico. Esses elementos descaracterizam a alegada bolsa de qualificação e demonstram a existência de uma relação de emprego.
Decisão judicial e direitos reconhecidos
O TRT-7 confirmou a sentença de primeira instância e determinou o reconhecimento do vínculo empregatício, assegurando à trabalhadora os seguintes direitos:
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Registro do vínculo na CTPS de 15/03/2019 a 31/12/2020;
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Pagamento de aviso prévio indenizado (33 dias);
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13º salário proporcional e integral de 2019 e 2020;
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Férias vencidas e proporcionais acrescidas de um terço constitucional;
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Depósitos de FGTS com multa de 40%;
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Diferenças salariais, considerando o salário mínimo legal;
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Vale-transporte devido durante todo o contrato.
Além disso, foi reconhecida a responsabilidade subsidiária do Município de Caucaia, que se beneficiou diretamente da força de trabalho da reclamante e não fiscalizou a legalidade da contratação.
A ilegalidade desmascarada: O Princípio da Primazia da Realidade
A decisão fundamentou-se no princípio da primazia da realidade, segundo o qual a relação de trabalho deve ser analisada com base nos fatos concretos, e não apenas nos documentos formais. O artigo 9º da CLT estabelece que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas”.
Dessa forma, ficou evidente que o termo de compromisso de bolsista não passava de um artifício para evitar o reconhecimento da relação de emprego e precarizar a mão de obra. A Justiça do Trabalho tem reafirmado que programas de qualificação profissional não podem ser utilizados para encobrir contratações irregulares, sob pena de nulidade.
Conclusão
O julgamento do TRT-7 reforça o compromisso da Justiça do Trabalho em combater fraudes que visam burlar a legislação trabalhista e precarizar relações de emprego. A decisão não apenas assegura os direitos da trabalhadora envolvida, mas também cria um precedente importante para evitar que outros trabalhadores sejam prejudicados por contratações fraudulentas disfarçadas de programas de qualificação.
Trabalhadores que se encontram em situação semelhante devem buscar orientação jurídica para garantir seus direitos e impedir que sejam explorados sob falsas promessas de bolsas educacionais ou qualificações fictícias.
Referência Bibliográfica:
CEARÁ (Estado). Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região. Acórdão nº 0000894-94.2022.5.07.0030, Relatora: Desembargadora Maria Roseli Mendes Alencar, 1ª Turma, julgado em 6 de fevereiro de 2025.
